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Um desafio ortopédico e psicológico

A lesão do Ligamento Cruzado Anterior

Quando nos deparamos com um paciente cujo Ligamento Cruzado Anterior (LCA) está rompido, nos deparamos com dificuldades de diversos níveis e características.

 

A lesão do LCA é uma das mais comuns afecções ortopédicas. Praticamente sempre se segue de tratamento cirúrgico para sua reconstrução, em vista que a ausência desse ligamento gera instabilidade articular, que impossibilita a prática de atividades esportivas, e dificulta muito as atividades de vida diária.

 

As dificuldades ortopédicas que encontramos nesses casos são diversas, mas completamente controladas, já que se trata do dia a dia do cirurgião de joelho experiente. Surgem na cabeça do médico diversas formas de tratamento cirúrgico, que incluem opções de enxerto, posicionamento adequado do novo ligamento, métodos de fixação diversos, fisioterapia pré e pós cirúrgica, e assim por diante. E digo com propriedade: por mais que tenhamos tantas opções e caminhos para seguirmos, essa é a parte fácil.

 

Escolho dentre as milhares de opções que rodeiam o tratamento, aquilo que é adequado para cada caso. Operamos individualmente baseado nas características de cada portador de lesão, e temos sucesso na imensa maioria das vezes. Ou seja, as dificuldades ortopédicas são controladas, devem ser respeitadas, mas vencê-las não é nosso maior desafio.

 

O maior desafio são as dificuldades psicológicas, e isso tem sido uma preocupação e realidade cada vez mais presentes. E o que quero dizer com esse tipo de dificuldade? Essa resposta é simples, a lesão do ligamento cruzado anterior acontece em pessoas que torcem o joelho, normalmente durante a prática esportiva, recreacional ou profissional.

 

Em um mundo cada vez mais agitado, de estresse constante com trabalho e quantidade de informações, uma válvula de escape necessária importante é a prática de atividade física.

 

Imagem mostra uma médica segurando um coração com uma cruz no meio e outro médico segurando a silhueta de uma cabeça com destaque ao cérebro de uma pessoa
Quando me deparo com um paciente com lesão do LCA e informo que após o tratamento ficará de 6 a 8 meses sem poder jogar futebol, ou qualquer outro esporte competitivo com mudanças bruscas de direção, sinto que cada vez mais essa notícia é devastadora.

 

As pessoas precisam de suas válvulas escapatórias. Precisam desligar de um mundo super-conectado, nem que seja por alguns minutos. Precisam correr, suar, e só pensar por alguns instantes no gol, na cesta, no ponto… Assim esquecem a bolsa, o chefe, o trânsito, a doença, o sobrepeso.

 

Quando dou a notícia, esta é, cada vez mais avassaladora. Isso me preocupa demais hoje em dia. Por que? Porque simplesmente não precisa ser assim. O tratamento de lesão do LCA ideal, hoje em dia e na minha cabeça, deve contemplar a preocupação com o estado psicológico de cada paciente. Após a cirurgia, no seu tempo certo, a atividade física deve ser estimulada. Logicamente não aquelas que colocam em risco a articulação de modo precoce, mas as atividades que não possam prejudicar.

 

Grupo de pessoas em torno de um cérebro fazendo um exame que exemplifica a saúde mental
No momento certo, e de modo até que precoce, a musculação e a bicicleta podem ser iniciadas. Logo em breve, de modo correto, a natação e o transport. Até a esteira e a caminhada e corrida na rua tem a sua hora.

 

Em tempos modernos, onde tudo é pra ontem, acredito demais que todo cirurgião de joelho deva ter a preocupação com o psicológico de seu paciente. Quantas meninas atletas não choraram diante da noticia do tempo de afastamento, sentadas em minha mesa? E quantas pessoas, ao final, não me disseram que foi muito mais fácil do que haviam imaginado?

Ou seja, não devemos apenas nos preocupar com a questão ortopédica, que é complexa, porém mais fácil, quanto mais experiente formos. Devemos perceber que a questão psicológica pode ser devastadora, e talvez tão importante que mudará a vida toda de nosso paciente. Cada dia que passa tento fazer isso de modo mais claro na minha prática médica, e esse pequeno textinho vem de encontro à mensagem que tento sempre passar: não será fácil o caminho todo, exigirá de mim habilidade, do paciente paciência e determinação. Mas juntos certamente podemos transformar o caminho em algo mais agradável, que nos preparará para um futuro de atividades físicas mais seguras.

 

Dr. Pedro Baches Jorge
Médico Ortopedista, especializado em Joelho e Medicina do Esporte. Fundador do Núcleo de Medicina do Esporte do Hospital Sírio Libanês e Membro do Grupo de Trauma Esportivo da Santa Casa de São Paulo.
Diretor Científico da Sociedade Brasileira de Artroscopia e Trauma do Esporte (SBRATE) e Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho (SBCJ)

 

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